sexta-feira, 22 de abril de 2011

O DIA EM QUE OS HOMENS NÃO VIRARAM CINZAS

Neste celebrado dia as pessoas acordaram cedo, partiram para os postos de trabalho com toda a convicção de construir um futuro coletivo e justo para toda a comunidade.
Ninguém foi ao trabalho de automóvel ou de metrô, todos almejavam contribuir com a diminuição da poluição em nosso planeta. Montados em bicicletas, pedalavam cantarolando músicas infantis. Os operários cruzaram os braços reivindicando mais um Carnaval fora de época. Os estivadores e os bancários fizeram coro pela mesma pauta. Os agricultores tomaram vinho com a certeza de colher uma safra de farturas.
As famílias tinham na mesa pães deliciosos para o desjejum, havia leite, frutas frescas e sorvete de cupuaçu e todos estavam se amando verdadeiramente, sem mágoas no coração. Isentos de mágoas por causa da última discussão entre maridos e esposas.
Os estudantes corriam radiantes em direção às salas de aulas, se apressavam para abraçar com carinho e respeito seus professores na porta da escola. Nunca é tarde para aprender.
A cidade transpirava uma euforia tremenda, foi só os sabiás ensaiarem as primeiras notas do seu cantar, que surgiu descendo a ladeira a divertidíssima caravana do Circo, anunciado pela música divertida de uma fanfarra.
As crianças perseguiam os saltimbancos recém chegados.
Malabaristas, engolidores de espadas, domadores de leões, trapezistas, lindas dançarinas, a Mulher Barbada, Monga: a mulher - gorila, mágicos e suas cartolas fascinantes, elefantes africanos, camelos do Egito, focas, tigres brancos, macacos sulamericanos, cachorros adestrados da Rússia e é claro, os palhaços, estes artistas que fazem a alegria contagiante se tornar a marca registrada destas trupes circenses.
As flores, ah! As flores. As pétalas estavam mais viçosas e as cores perfeitas. A grama verde nas frentes das residências formavam mares esmeraldas. As árvores exibiam copas majestosas e carregadas de frutos maduros e comestíveis.
Da orla podíamos contemplar os veleiros e as jangadas singrando o litoral. Estavam mais para barquinhos de papel ao sabor das ondas marítimas. As gaivotas sempre famintas por peixes, nesta data especial preferiram brincar de pega-pega pelos ares.
O vento litorâneo deixava o clima mais ameno.
No Boulevard, uma aposentada atriz de cinena dominicano ensinava os passos básicos do Zouk, ritmo contagiante do Caribe para os senhores e as senhoras da Terceira Idade.
Os casais enamorados amavam com mais paixão e os amantes saíram de suas casas carregando buquês de rosas, margaridas, crisântemos.
As poetisas eram pura inspiração, declamavam poemas em plena avenida e praças públicas. O tema principal era o amor. Ninguém tinha coragem de afirmar que o amor estava ultrapassado ou fora de moda.
Nesta ocasião única, houveram muitos enlaces matrimoniais. Dezenas de casais trocaram juras de amor eterno e as noites de núpcias foram muito mais intensas e inesquecíveis para os noivos.
Em tal amanhecer surpreendente, nasceram centenas de bebês. As mães se desmanchavam em lágrimas de tanta felicidade e os genitores comemoravam exaustivamente os novos rebentos.
Podia se ouvir melodias felizes em todas as casas. Os aniversariantes tiveram motivos em dobro para festejar tal momento. Aliás, receberam muitas mensagens de congratulações e presentes dados de coração, sem a intenção de receber algo em troca.
Foram horas de bençãos para todos os habitantes desta hospedeira cidade.
Na televisão os desenhos animados eram mais divertidos do que de costume. Ninguém queria perder os novos e os repetidos episódios.
No campo de várzea disputavam partidas de futebol com uma velha bola de borracha. Nas quadras comunitárias, os rapazes arremessavam na direção do aro, cada cesta era comemorada como um ponto decisivo em uma final de jogos olímpicos.
Nos períodicos matutinos não se anunciou um único crime sequer ou notícias de corrupção política. Nestas páginas estavam presentes apenas declarações apaixonadas, tiras de quadrinhos hilariantes e palavras cruzadas, daquelas de nível fácil que adoramos resolver.
As águas claras dos igarapés não tinham um único vestígio de contaminação. Estava ali, só precisava se agachar e recolher o líquido com a mão feita em concha e levar até a boca para saciar a sede.
O sentimento de inveja não tinha significado, a traição abolida dos dicionários, as mentiras não possuíam terrenos para serem semeadas e a palavra medo não era pronunciada.
Hoje é um dia especial, para ser lembrado por gerações inteiras. Os Historiadores escreverão relatos épicos sobre este período de paz e fraternidade mundial.
Nunca se experimentou tanta liberdade entre os homens.
Neste inefável dia, o Boi-bumbá saiu do curral com seu folguedo multicolorido, enchendo as ruas de toadas e lantejoulas.
Neste maravilhoso dia, o sol nascente surgiu com mais fôlego.
Neste inédito dia, o Enola Gay não levantou vôo e por isso, os Homens, as Mulheres e as Crianças não viraram cinzas. Cinzas que se desfazem com o sopro da brisa matinal...


quinta-feira, 21 de abril de 2011

YURUPARI KIÁ

Angá Puxi sempre reinou nas verdes paragens do Rio Pakuá Aratiku ( banana-preta ), próximo do iniciar dos Montes das Pedras Vermelhas. Lá naqueles frondosos bananais, o “ Espírito do Mal” comia com uma fome insaciável. Alguns relatavam que Angá Puxi era um macaco velho com garras afiadíssimas e dentes de jacaré.
Os mais idosos da tribo dizem que aquele jovem que comer estas bananas durante a lua cheia se tornaria um Awaté- homem valente, corajoso- ou irá sofrer de pertubações mentais vitalícias.
A maioria dos curumins não arriscavam tal destino; não queriam viver o resto da vida como um Akanga Aiwa ( doido ), andando sem rumo pela floresta e proseando com o Curupira, protetor “arteiro” da floresta e dos animais, castigador dos caçadores.
Angá Puxi tinha em sua volta uma gama de Yuruparis ( demônios ) de todas as espécies que atormentam a vida de homens, mulheres e crianças, causando todo tipo de problemas, principalmente doenças.
O dia amanheceu mais quente, era possível sentir a agitação fora do normal. O vai e vem dos habitantes é frenético. As malocas magníficas de palhas de palmeiras, transmitiam um aspecto vigoroso e seguro.
No olhar dos indígenas tinha uma expressiva mistura de apreensão e alegria. No ar havia um certo frenesi.
Se preparavam para mais uma celebração de cura.
A música começou a ser tocada durante a madrugada. As corujas e as onças pintadas foram testemunhas oculares da sonoridade das gigantescas Mawakus ( flautas ) que os deixavam eufóricos; sem dúvida, os festivos índios entravam em transe.
Pronunciavam cantigas mântricas, gesticulavam os menbros superiores e executavam passos milimetricamente marcados, levantando poeira do terreiro.
A noite caía com sua costumeira escuridão e centenas de homens invadiam o chão, dançando ritmadamente.
As mulheres indígenas apenas observam, ornamentadas com belíssimas e coloridas Putiras ( flores ) pelos cabelos. Todos bebiam nas cuias, a deliciosa e embriagante Kaiçuma, uma bebida fermentada feita da mandioca.
Na brasa da considerável fogueira, “sabrecavam” as carnes da última e farta caçada. Sobre as labaredas ardiam capivaras, macacos, jabutis, tracajás e pirás ( peixes ), muitos peixes de água doce , pescados nos lagos e igarapés da região.
Da maloca principal, saiu um curuminzinho desacordado em uma rede pendurada por uma madeira horizontal nos ombros de dois índios adultos.
O ritual era intenso, o chocalhar dos maracás inebriavam os presentes.
As orações eram cantadas na língua nativa com uma espiritualidade indescritível.
O pajé soprava fumaça de Tawari ( árvore amazônica ) no paciente para expulsar os espíritos malignos que não permitiam a criança dormir tranquila há mais de sete noites ininterruptas.
O sacerdote da religiosidade indígena, descobriu que um dos entes invasores do corpo do jovem, era o espírito do Yararaká ( o escorpião ). Todas as vezes que o indiozinho pegava no sono, a imagem do escorpião o perseguia. Os pesadelos noturnos também eram criados pelo Yurupari Kiá- demônio sujo- que não perdia a oportunidade de fazer suas visitas noturnas a rede dele.
O curandeiro fez um minúsculo corte no crânio do infante usando uma pequena Kice ( faca ) até sair gotas de sangue.
Foi incrível ter a visão dos espíritos impuros sendo extirpados da cabeça do doente. Expulsos pela força da magia do feitiçeiro indígena.
Depois colocou no local lesionado um punhado de Baruri ( tabaco ) para estancar o sangramento e bloquear a possível volta dos espíritos pelo lugar que foram retirados. Especialmente Yurupari Kiá- demônio sujo- o espírito mais teimoso e nocivo.
Aconselhou a mãe para alimentar a criança durante três dias seguidos com caldo de Çapukaya ( galinha ) com macacheira e batata cará para fortalecer o futuro grande guerreiro.
Para Yurupari Kiá nunca mais retornar à aldeia do Rio Pakuá Aratiku,o pajé encarnou o “espírito sujo” na Yawaraté Piranga ( suçuarana ), felídeo selvagem amazônico que não é bem visto pela tribo por causa da sua ferocidade.